12 RODADA

Xisto: o risco da indústria do petróleo invadir a sua casa –  12º Rodada

Motivados pelo anuncio da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) de que haverá a exploração de gás não-convencional (como o chamado “gás de xisto”) em blocos do leilão da 12º Rodada de Licitações de Blocos de Petróleo e Gás, previsto para ocorrer em 28 e 29 de novembro de 2013, diversas organizações da sociedade civil se reuniram na cidade de São Paulo, no dia 13 de novembro de 2013, para realizar o seminário “Impactos Socioambientais da Exploração do Xisto”.

Ao todo serão ofertados 240 blocos para exploração em terra dos quais 110 em novas fronteiras, como nas bacias do Acre, Parecis, São Francisco, Paraná e Parnaíba, e outros 130 em bacias consideradas maduras, como no Recôncavo baiano e em Sergipe e Alagoas. A exploração de gás não-convencional pode produzir uma aplicação em larga escala da técnica do fraturamento hidráulico (fracking).

A demanda energética nacional deve aumentar mais de duas vezes até 2050. Os setores industrial e elétrico podem ser atendidos nas próximas décadas com as reservas de gás convencionais existentes. O gás não-convencional não deve se confundido e receber o mesmo tratamento do gás natural convencional, uma fonte energética de participação importante na matriz energética, por conta de suas técnicas diferenciadas de extração, o fracking. Graves impactos socioambientais, alguns irreversíveis, foram comprovados em países nos quais tem ocorrido sua exploração, como nos EUA. Em alguns países europeus, chegou a ser suspenso, como na França, Bulgária e Holanda.

A 12ª rodada de licitações da ANP aprofunda a expansão desenfreada e unilateral de um modelo de desenvolvimento primário-exportador, cada vez mais dependente da exploração dos bens comuns e dos combustíveis fósseis, fundado na injustiça ambiental. Este leilão e a exploração de gás não-convencional respondem à necessidade que as grandes petrolíferas tem de uma permanente acumulação ampliada de capitais e expressam o atendimento desta necessidade pelo Estado brasileiro em detrimento das necessidades da maioria da população e do desenvolvimento de novas energias renováveis, como pode ser constatado pelo fato de que dos mais de 1 trilhão de reais previstos para investimento em energia nos próximos dez anos no Brasil, 75% devem ser direcionados a óleo e gás, enquanto novas energias renováveis devem receber apenas 3%. Os problemas e as demandas desta maioria não serão solucionados por este desenvolvimentismo, pois este faz com que camponeses, pescadores artesanais, indígenas, quilombolas e trabalhadores urbanos se vejam diante da violência do mercado e da lógica do capital, que tudo transforma em mercadoria para manter a sempre crescente acumulação privada.

Os participantes do seminário decidiram por solicitar a suspensão deste leilão e a aplicação de uma moratória do fracking por tempo indeterminado.

Nota dos participantes do seminário “Impactos Socioambientais da Exploração do Xisto” (São Paulo, 13/11/2013)

A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) anunciou, através do “Edital de Licitações Para a Outorga dos Contratos de Concessão para Atividades de Exploração e Produção de Petróleo e Gás Natural” da 12ª Rodada de licitações, que a exploração dos blocos pode evoluir para a exploração de gás não-convencional (como o chamado “gás de xisto”), sem antes promover um diálogo qualificado junto aos potenciais atingidos e sem transparência para a sociedade brasileira sobre seus riscos.

Identificando problemas no processo do leilão e com base no Princípio da Precaução, definido na Declaração do Rio/92 sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável como “a garantia contra os riscos potenciais que, de acordo com o estado atual do conhecimento, não podem ser ainda identificados”, solicita-se a suspensão deste leilão e a aplicação de uma moratória da exploração de gás não-convencional, baseado nos seguintes fatos:

Tecnologia recente e arriscada

  • A tecnologia de fraturamento hidráulico (fracking)consiste na perfuração de rochas tipo folhelho para extração do gás não-convencional, gás classificado pela própria ANP como “gás de difícil acesso” (Nota Técnica nº 09/2010-SCM). Embora as primeiras experiências de desenvolvimento do fracking datem da década de 1940, o uso em larga escala desta tecnologia ocorreu somente nos anos 2000.

Concorrência de uso da água

  • A tecnologia requer a utilização de enorme quantidade água (podendo ultrapassar 10.000 m3em apenas um poço), substâncias químicas tóxicas, areia e/ou outros elementos pouco testados quanto a toxicidade.
  • Necessidade de uso de grandes quantidades de água pode concorrer com o abastecimento humano, irrigação e dessedentação de animais.

Contaminação da água e riscos à agricultura e saúde

  • As técnicas utilizadas têm resultado na contaminação de lençóis freáticos em consequência dos materiais e das substâncias químicas utilizadas no processo. Além disso, a contaminação pode ocorrer em várias fases do processo. Por exemplo, ao retornar à superfície quando pode carregar elementos do subsolo, inclusive radioativos.
  • Grande parte da população brasileira sofre com escassez de água de boa qualidade, seja pela falta de serviço de abastecimento por rede ou pela intermitência nos serviços, dependendo da utilização da água de poços sem tratamento para realizar as suas atividades básicas e, dessa forma, ficando ainda mais vulnerável à contaminação.
  • A água utilizada nos poços deve retornar ao meio ambiente após sua utilização. Além de exigir um processo de descontaminação custoso, pode nunca retornar às suas características iniciais de uso e representar dano à vida.
  • Blocos a serem licitados encontram-se em áreas dos principais aquíferos brasileiros. Sua contaminação pode ser irreversível. Uma grave ameaça para a segurança hídrica e alimentar de toda a sociedade brasileira.
  • O problema se estende a questões internacionais de governança do Aquífero Guarani. A exploração na região deve ser alinhada com todos os países que compartilham esse importante aquífero.
  • A exploração de gás não-convencional por meio dofracking apresenta riscos ambientais e à saúde pública que ainda não foram amplamente estudados. Porém, é fato que as populações são expostas a poluentes e químicos com impacto a pele e olhos, órgãos sensoriais, gastrointestinais, sistema nervoso, imunológico, cardiovascular, que podem causar câncer e mutações.

Desrespeito aos Direitos Humanos

  • Os blocos ofertados para exploração se sobrepõem e subordinam a um conjunto significativo de territórios tradicionais, indígenas, quilombolas, campesinos. Estas características agravam os conflitos socioambientais oriundos da cadeia de petróleo e gás que atualmente já é responsável por uma parte significativa dos passivos ambientais no país. Em outros países o impacto já se estendeu a populações urbanas.
  • As populações afetadas não podem optar pela instalação ou não desses empreendimentos em seus territórios.

Ameaça à biodiversidade e áreas sensíveis de relevância ambiental

  • Cada poço envolve uma infraestrutura e logística que significa movimentação muito grande de veículos, aumento no trânsito local e ruído, contaminação por emissões atmosféricas, gerando mais focos de desmatamento e degradação de áreas sensíveis.
  • Há blocos estão localizados a poucos quilômetros de áreas protegidas, muitas estão completamente circundadas por eles. Várias espécies endêmicas vegetais e animais são encontradas em algumas das regiões, de rica e frágil biodiversidade, em que são reportadas diversas espécies (fauna e da flora) que precisam ser melhor estudadas.

Efeito Estufa

  • O vazamento de metano tem sido comprovado em boa parte dos poços de gás não-convencional. Neste sentido, deve agravar os enormes esforços de reduzir a emissão de gases de efeito estufa e a progressiva descarbonização de atividades produtivas. A revisão do potencial de aquecimento global do metano – de 21 para 34 vezes mais potente do que o CO2 – contribui para o aumento desta contabilidade.

A exploração do gás de xisto, agravada pela ausência de uma política de monitoramento e controle efetivo das contaminações de águas superficiais e subterrâneas, se apresenta como um novo risco para a qualidade da água, para a biodiversidade, para a segurança alimentar e para a saúde de todos os brasileiros. Constata-se total insegurança diante os riscos desse tipo de tecnologia.

O gás não-convencional não deve receber o mesmo tratamento que o gás natural convencional. Este é uma fonte energética de participação importante na matriz energética hoje e no longo prazo. A demanda dos setores industrial e elétrico pode ser atendida com as reservas de gás convencionais existentes, com menor impacto socioambiental. Mesmo que a demanda aumente mais de duas vezes até 2050, não há necessidade da exploração de gás não-convencional.

A ANP e o Ministério das Minas e Energia precisam esclarecer questões fundamentais como: para que e para quem explorar nesses territórios? Por que explorar nesse ritmo e escala? Para que usos se destinarão esses recursos? Quais os possíveis e potenciais riscos e impactos sociais, ambientais e climáticos associados? Que grupos sociais e povos tradicionais serão afetados, habitantes da região do macroentorno da exploração e da infraestrutura associada? A exploração se dará sob que condições de trabalho? De onde virá a água? E o que será feita com ela depois de ser utilizada? Quais as garantias de reparação para possíveis e correntes vazamentos e acidentes? Que políticas de proteção de direitos serão implementadas nos territórios afetados? Essas são algumas das questões sem nenhum cuidado e referência nos documentos que regulam a licitação.

A sociedade organizada aqui representada solicita que os riscos da cadeia de petróleo e gás, que cai majoritariamente nas comunidades de menor poder econômico e já em um quadro de vulnerabilidade, sejam devidamente identificados, mitigados e que se respeite o modo de vida destes brasileiros.

Leilão da Petrobrás: “O governo tem uma agenda econômica inflexível e, outra social, frágil e compensatória”. Entrevista especial com Marcelo Calazans, da FASE Espírito Santo – 11ª Rodada

“Aprofundar o país numa agenda petroleira retira as próprias possibilidades 
históricas de transição. A sociedade deve ter o direito de dizer ‘não’ à exploração desenfreada”, o sociólogo.

A 11ª Rodada de licitações para exploração de petróleo em blocos de terra e mar, que ocorreu no dia 14 de maio, “reabre de forma voraz, sob ritmo acelerado e sem limite, o ciclo de injustiça ambiental implicado na expansão do modelo energético e societário estimulado pelo governo, em pacto com as gigantescas corporações petroleiras e seus complexos associados, interessados na exploração de um valiosíssimo bem comum, que é o petróleo”, avalia Marcelo Calazans em entrevista concedida à IHU On-Line  por e-mail.

A BP (British Petroleum), Total, Petrogal e a Petrobras compraram os “cobiçados blocos” na bacia sedimentar do Amazonas até o Rio Grande do Norte, uma área com a sociobiodiveridade pouco conhecida. “Já imaginou a quantidade de dutos e instalações de armazenamento, caminhões-tanque que vão operar em terra, conectados aos poços off-shore? Nem sequer existe um mapeamento detalhado do que há nestes territórios que serão diretamente afetados: áreas de restinga, lençóis, matas de transição, bacias hídricas, além das comunidades pesqueiras e litorâneas, bem como as que se situam quilômetros terra adentro”, adverte. Segundo o sociólogo, no Espírito Santo “a exploração dos blocos comprados pela gigante norueguesa Stat Oil vai acelerar a redução dos territórios da pesca artesanal, impedindo o acesso de pescadores às rotas do pescado, afetando diretamente o trabalho e a segurança alimentar de dezenas de milhares de homens e mulheres que vivem da pesca e dos mariscos, além de ameaçar diretamente uma área de excepcional valor na costa capixaba, o recife de Abrolhos, área da Baleia Jubarte”.

Na avaliação dele, a exploração de petróleo no Brasil está cada vez mais “primarizada, focada na exploração de recursos in natura ou, no máximo, na produção de semielaborados”, reiterando a “agenda econômica inflexível, e uma agenda social frágil e compensatória”.

Marcelo Calazans é sociólogo, coordenador do Programa Regional da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional – FASE no Espírito Santo, membro da Rede Deserto Verde e da Rede Latino-Americana contra Monocultivo de Árvores.

Confira a entrevista:

IHU On-Line – Que avaliação faz da 11ª Rodada de Licitação da Agência Nacional do Petróleo – ANP?

Marcelo Calazans – A 11ª Rodada da ANP reabre de forma voraz, sob ritmo acelerado e sem limite, o ciclo de injustiça ambiental implicado na expansão do modelo energético e societário estimulado pelo governo, em pacto com as gigantescas corporações petroleiras e seus complexos associados, interessados na exploração de um valiosíssimo bem comum, que é o petróleo.

O alcance da 11ª Rodada é vasto, articulando-se conjunturalmente com a desconstrução dos códigos Mineral e Florestal, com a gestão portuária, rodoviária e ferroviária, com a expansão da sociedade do automóvel, dos ansiolíticos e dos agrotóxicos. Burocracia estatal e políticos corruptos, petroleiras nacionais e estrangeiras, siderúrgicas, mineradoras são os mais interessados na exploração rápida e a todo risco do petróleo do subsolo. Por outro lado, a 11ª Rodada já expõe suas zonas de sacrifício: assentamentos de reforma agrária, territórios tradicionais indígenas e quilombolas, camponeses e de pescadores artesanais, bem como áreas de preservação na terra e no mar, a mobilidade urbana e a segurança alimentar.

IHU On-Line – Quais foram as empesas que participaram da 11ª Rodada de Licitações e adquiriram os 170 blocos que estão em bacias situadas na margem equatorial?

Marcelo Calazans – BP (British Petroleum), Total, Petrogal e Petrobras compraram os cobiçados blocos na bacia sedimentar do Amazonas até o Rio Grande do Norte, uma área de imensa e não ao todo conhecida sociobiodiversidade. Já imaginou a quantidade de dutos e instalações de armazenamento, caminhões-tanque que vão operar em terra, conectados aos poços offshore? Nem sequer existe um mapeamento detalhado do que há nestes territórios que serão diretamente afetados: áreas de restinga, lençóis, matas de transição, bacias hídricas, além das comunidades pesqueiras e litorâneas, bem como as que se situam quilômetros terra adentro.

IHU On-Line – Os ambientalistas criticaram a 11ª Rodada de Licitações porque dos 289 blocos que serão ofertados 170 estarão em bacias situadas na margem equatorial, desde Rio Grande do Norte ao Amapá, e pouco se conhece dessa região. O que se conhece dessas regiões? Quais os impactos prováveis com os blocos leiloados no Espírito Santo?

Marcelo Calazans – No Espírito Santo, a exploração dos blocos comprados pela gigante norueguesa Stat Oil vai acelerar a redução dos territórios da pesca artesanal, impedindo o acesso de pescadores às rotas do pescado, afetando diretamente o trabalho e a segurança alimentar de dezenas de milhares de homens e mulheres que vivem da pesca e dos mariscos, além de ameaçar diretamente uma área de excepcional valor na costa capixaba, o recife de Abrolhos, área da Baleia Jubarte. Em solo, uma gigantesca infraestrutura está sendo construída, ao longo da costa capixaba, com recursos públicos do PAC, do BNDES, atraindo grande mão de obra, volátil, temporária, precarizada, afetando pequenas e médias comunidades com problemas como prostituição e violência. São vários terminais de gás e óleo, além de dutos cruzando todo o Estado, o estaleiro Jurong; em Aracruz-ES, as siderúrgicas como a Samarco e o porto em Anchieta, os terminais de logística e administrativos na região metropolitana de Vitória, a fábrica de fertilizante em Linhares.

O petróleo aciona as demais corporações de uma economia cada vez mais primarizada, focada na exploração de recursos in natura ou, no máximo, na produção de semielaborados. No Espírito Santo, o boom petroleiro aciona uma lógica perversa: mais petróleo, mais ferro, mais aço, mais fertilizante químico para o eucalipto e a cana-de-açúcar, mais greenwashing (lavagem verde) de um ambientalismo empresarial e compensatório, como do Projeto Tamar, um claro marketing verde da Petrobras. A corrupção é outro elemento intrínseco ao setor petroleiro, haja vista a quantidade de políticos, prefeitos, vereadores, gestores públicos processados pelo Ministério Público e literalmente encarcerados pela Polícia Federal por desvio de royalties e cobrança de propinas.

IHU On-Line – Caso ocorra um vazamento de óleo durante a extração de petróleo nessa região, quais os riscos de serem atingidas as unidades de conservação?

Marcelo Calazans – Nos casos de vazamento, sequer existe um Plano Nacional ou Estadual de Contingência! Incrível que já estamos na 11ª Rodada da ANP e até hoje sequer está em pauta a construção de um Plano de Contingência. Estamos falando de produtos altamente inflamáveis e poluentes, de enorme risco de uso, exploração, com setores produtivos cada vez mais terceirizados, onde a responsabilidade deveria ser de extrema cautela. Os trabalhadores que operam as plataformas obsoletas que estão offshore correm enorme risco, bem como todas as comunidades que se localizam próximas da costa e ao longo dos dutos e instalações.

Uma fábrica de fertilizante, por exemplo, como a de Palhal, em Linhares, é uma bomba em potencial, tal como vimos explodir na Índia e nos EUA.

Uma exploração de alto risco, no mar, pode gerar acidentes como o da Chevron na Bacia de Santos, da BP no Golfo do México e Sul dos EUA, ou o vazamento da Petrobrás na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. Onde há exploração de petróleo e gás, sempre haverá vazamento. A tecnologia jamais consegue prever in situ o que manipula artificialmente em laboratório. É uma enorme irresponsabilidade do Estado e das corporações acelerar o ritmo de exploração sem nenhum debate acumulado com a sociedade sobre o Plano de Contingência. Depois que ocorre o vazamento, no site da ANP, do Ibama, dos IEMAS e das empresas, não há nenhuma descrição mais detalhada do que houve de fato e, principalmente, não há nenhuma garantia de “não repetição”. A multa, quando aplicada, em geral, não é paga, e quando paga, não compensa quem realmente foi afetado. É um processo injusto.

IHU On-Line – Uma fonte do governo federal destacou que os blocos estão a mais de 50 quilômetros da costa e a profundidades superiores a 50 metros do solo marinho. Por isso, acredita que não haverá problemas com as licenças. Como vê essa declaração?

Marcelo Calazans – A declaração do governo federal é feita sob curiosa e simbólica condição de réu-confesso. Liberam as licenças de exploração, flexibilizam as leis ambientais, violam direitos de trabalhadores e acordos internacionais de proteção de comunidades afetadas, desmontam códigos. E tudo isso sequer é julgado. O “desenvolvimentismo a ferro e fogo” não encontra obstáculos para se instalar e expandir. É o que o Estado e as empresas chamam de “segurança jurídica”. Na verdade, trata-se de uma justiça dúbia, pois, do outro lado, pescador que acessa áreas pesqueiras invadidas pela exploração tem seu barco retido e sua documentação interditada. Camponeses que criam galinha, porco ou plantam próximos dos dutos são multados. Toda e qualquer resistência é criminalizada ou ameaçada, como o que se passa com os pescadores da Bahia de Guanabara, alguns já mortos por conflitos com empreiteiras e empresas de vigilância da Petrobrás. Para os interesses empresariais tudo é permitido.

IHU On-Line – O que isso demonstra sobre a agenda ambiental do governo brasileiro?

Marcelo Calazans – Agenda Ambiental? O governo tem uma agenda econômica inflexível, e uma agenda social frágil e compensatória. O PAC é o símbolo mor dessa agenda. Torna imperativo o crescimento acelerado da economia, como se o fator redistributivo fosse dependente deste crescimento unilateral e insustentável. O que o país já produz poderia ser muito melhor distribuído, de forma transparente e radicalizando a democracia participativa. Talvez não seja necessário expandir desenfreadamente a exploração do petróleo para melhorar a educação, a saúde, a política de segurança alimentar, para realizarmos as reformas agrária e urbana. E, uma vez explorado nesse atual temeroso ritmo, o que garante que a renda gerada seria de fato utilizada para a construção da seguridade social?

Os exemplos já instalados em Campos e Macaé, no norte do Rio de Janeiro, bem como na Baixada Fluminense ou Recôncavo Baiano, demonstram que territórios petroleiros são áreas de alta concentração de renda e poder, em detrimento do bem-estar da população residente. A agenda do governo passa ao largo da Justiça Ambiental, e aposta, por exemplo, na universalização do automóvel, quando as cidades já estão com trânsitos totalmente congestionados. Carros superpotentes circulam em velocidade de bicicletas e cavalos! Uma política totalmente anacrônica, mas articulada aos lucros das grandes empresas automobilísticas e da construção urbana de elevados, viadutos, megarrodovias e túneis.

IHU On-Line – É possível explorar o petróleo e preservar o meio ambiente?

Marcelo Calazans – Não creio que seja possível, em sentido restrito, explorar petróleo e preservar o meio ambiente. A exploração será cada vez mais algo de alto risco, porque as reservas estão cada vez mais distantes, nos polos, na Amazônia, em grandes profundidades marítimas. Por isso o petróleo deve ser usado de forma muito, mas muito seletiva, pois é um bem comum extremamente valioso para estar sendo queimado em engarrafamentos urbanos ou na fabricação de agrotóxicos, por exemplo.

Não se trata de acabar de vez com o uso do petróleo, mas de perguntar para que estamos fazendo uso dele. Por exemplo, todo o petróleo de um desses blocos não é suficiente para abastecer uma semana de guerra no Afeganistão! Para cada barril produzido, segundo Oilwatch, são oito barris de água! Devemos perguntar então: Para que e para quem vão se expandir a exploração e a produção de petróleo e gás? O petróleo será sempre mais valioso (e nosso!) quando no subsolo e, talvez, seja esta uma decisão e um bem comum que devemos deixar para as gerações futuras.

Espero que tenham mais responsabilidade e cuidado com o planeta e a sociedade. A crise climática, provocada justamente pela queima de combustíveis fósseis, aponta um necessário cenário de transição energética. Vamos esperar a última gota de óleo, do último poço, para pensarmos a transição? Aprofundar o país numa agenda petroleira retira as próprias possibilidades históricas de transição. Por isso, no Fórum dos Afetados por Petróleo e Gás do Espírito Santo, estamos construindo a campanha por “áreas livres de petróleo”, onde a sociedade possa ter o direito de dizer “não” à exploração desenfreada: áreas pesqueiras, comunidades litorâneas, quilombolas, camponesas, áreas de assentamento de reforma agrária, áreas de grande sociobiodiversidade.

Não queremos exploração nos territórios da utopia! O que está em debate é o próprio horizonte da transição energética. Até quando vai a expansão petroleira? Em que ritmo? Para que usos? Quando se iniciarão a redução gradativa da exploração e o uso? E quando se iniciará sua concomitante redistribuição na sociedade brasileira? Quais as fontes mais apropriadas para cada território e uso? Não deixar que a expansão se realize por inteiro, em ritmo acelerado, pode ser um primeiro passo para uma estratégia consequente e responsável de Justiça Social e Ambiental.

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