Ativistas protestam contra leilão de poços de petróleo e “Campanha Nem Um Poço a Mais” mobiliza pescadores e pescadoras do norte do Espírito Santo a participarem da ação. Moradora de uma das áreas leiloadas e um cacique discursaram para os empresários


Rosilene Miliotti¹

Protesto em frente à ANP. (Foto: Rosilene Miliotti / FASE)

No ultimo dia 11, a Agência Nacional de Petróleo (ANP) realizou a 4ª Rodada de Acumulações Marginais, no Rio de Janeiro. Para a ocasião, a Campanha Nem Um Poço a Mais² mobilizou militantes e impactados para um protesto contra a venda desses poços de petróleo. Alexandre Costa, professor da Universidade Estadual do Ceará, cientista e ativista do clima, explica que “os poços que estavam sendo ofertados já foram utilizados e a ideia de fundo do leilão é fazer uma exploração a mais”. Ele ressalta que na maior parte dos casos, essa exploração implica no uso de técnicas não convencionais e até de fracking³. “Certamente, para que essas empresas consigam explorar esses poços, serão utilizadas técnicas mais agressivas e mais poluentes. Foram poucas empresas que caíram nessa esparrela. Inclusive uma das áreas, no Rio Grande do Norte, não houve interessados”, reforça.

Foram vendidos oito, dos nove campos de petróleo oferecidos. A ANP arrecadou R$ 7,977 milhões, o que representa um ágio de 1,991%. A maior parte do valor foi da venda da área de Itaparica, na Bahia, campo chamado de Vale do Quiricó. Entre os “vencedores”, a maior parte das empresas são fornecedoras de bens e serviços para o setor e que ainda não atuam na produção de petróleo. Ou seja, sem experiência na área. E isso acaba sendo mais um ponto de atenção para os ativistas que temem os estragos na natureza e na vida das pessoas que vivem nas regiões exploradas. A ANP tenta amenizar a situação justificando que essa é uma porta de entrada dessas empresas no setor de exploração e produção, mas Silvia Lafaiete Pires, pescadora de São Mateus, no norte do Espírito Santo, diz que eles [os empresários] compraram lixo. “Consegui entrar e falar olhando nos olhos deles que onde vão explorar tem gente, idosos, crianças, vidas. Eles ganharam dinheiro, mas e nós? O cacique também entrou e disse que essa exploração está matando a natureza. Hoje eles estão aí, de gravata, mas vão perder tudo porque a vida vai acabar se continuar desse jeito”, lamenta.

Silvia após sua declaração aos empresários que
participavam do leilão.
(Foto: Rosilene Miliotti / FASE)

Silvia conta ainda que os empresários riram dela quando disse que era de Mariricu, área arrematada pela empresa Ubuntu Engenharia, por R$ 808,8 mil. A pescadora tem um poço de petróleo em suas terras, e em 2000 houve um vazamento. Como ressarcimento ela recebeu R$ 35. “Aquela é uma área de proteção ambiental. Eu não posso destruir para fazer uma roça ou outra coisa, mas a Petrobras explora, destrói e nada acontece. A nossa água é suja desde o início da exploração. A água é barrenta e tem gosto de ferro. Os casos de câncer só aumentam. Se fizerem um estudo vão ver que além da água contaminada, nosso ar também é. Mas como vamos provar se o ar é transparente?”, questiona.

Outra área vendida no Espírito Santo foi Garça Branca, comprada pela empresa Oetrol Serviços de Sondagem por R$ 23,5 mil, menos que o valor de um automóvel popular. Para Marcelo Calazans, coordenador do programa da FASE no estado, é ridículo que se vendam poços que não pagam 1% do passivo ambiental e nem garantem que a futura exploração vai pagar pelos vazamentos que ocorrerão. “R$23 mil era o lance mínimo, um valor ridículo diante da contaminação de pescado e da expulsão de pessoas dos seus territórios. Dez pescadores e pescadoras do norte do ES, que vivem à margem destes projetos ditos de ‘desenvolvimento’ lutando. Eles trouxeram fotos de vazamentos e dizendo o quanto essas regiões já estão contaminadas. Para se ter uma ideia, apenas um caso houve reparação e o que foi recebido foi a quantia de R$ 35 para recuperar uma área destruída pela ganância”, critica.

Exploração e influência no clima

Professor Alexandre. (Foto: Rosilene Miliotti / FASE)

Alexandre ironizou o valor mínimo de lance dizendo que poderia vender seu carro ou a casa só para comprar e manter aquela “porcaria” no chão. “Eles atraíram empresas pequenas e usaram a demagogia da geração de emprego como mote. Mas quando olhamos para as comunidades vemos que é exatamente o contrario. É só olhar para os indígenas que perdem suas terras e não tem mais como trabalhar. Para os ribeirinhos que tem seus rios contaminados e não tem mais peixe para pescar. Quando sertanejos sofrem com secas recordes, é emprego que se tira. Na verdade, se tira emprego e modos de vida”, exemplifica.

Outra explicação dada por Alexandre foi em relação ao aquecimento global. “Um barril de petróleo ao ser queimado produz 432 kg de CO² e nós já ultrapassamos todo e qualquer limite. Essa exploração atinge diretamente o clima e os impactos já estão aí. Cada segurança desses que estão de pé, na porta deste prédio, se soubessem do mal que faz essa exploração, não iriam nos barrar. Iriam barrar cada empresário que veio apostar e colocar o seu dinheiro nessa indústria”, diz. Marcelo lembra ainda que não há exploração de petróleo sem vazamento e critica a não participação da sociedade. “Estamos em uma sociedade democrática, em uma agência pública e não tem sentido nos proibir de entrar. Isso só demonstra que é um setor nada transparente e por isso tem tanta corrupção. Eles permitiram que três pessoas participassem do leilão usando o argumento de que não estamos devidamente vestidos para entrar. O que eles querem? Que índios se vistam como nova-iorquinos pra entrar na sede da ANP?”, ironiza.

Saída dos empresários. (Foto: Rosilene Miliotti / FASE)

Na saída, os empresários ouviram vaias, gritos de assassinos e todo tipo de protesto dos ativistas. “Todo leilão é um fracasso por definição. É o futuro das novas gerações, é o planeta, a água, que estão leiloando. Essa uma das coisas mais irracionais e criminosas que se pode imaginar no nosso país”, analisa Alexandre. Mas para ele, a chave está na resistência, na capacidade das comunidades locais se organizarem e impedir chegada dessa “indústria da morte” e manter a pressão.

Mais leilões irão acontecer

De acordo com o secretário de petróleo e gás do ministério de Minas e Energia, Marcio Felix, o atual governo estuda propor uma oferta permanente de campos de petróleo devolvidos, sem a necessidade de realização de leilões. O objetivo é deixar as oportunidades disponíveis no site da ANP. A proposta precisa ser aprovada pelo Conselho Nacional de Política Empresarial (CNPE).

Ainda este ano, a ANP irá promover três novos leilões, um para áreas do pós-sal, em setembro, e dois do pré-sal, em outubro. A agência também deve reduzir os royaltiesdas áreas terrestres, hoje em 10%, e a alíquota de bacias pouco exploradas, passando de 10% para 5%.

[1] Jornalista da FASE.

[2] O conteúdo deste artigo é de nossa responsabilidade exclusiva, não podendo, em caso algum, considerar que reflita a posição da UE.

[3] Fraturamento hidráulico, utilizado para realizar perfurações e extração de gás, o chamado gás xisto ou gás de folhelho. Em inglês é conhecido como shale gas. “Nem governos ou empresas deveriam realizar experimentos que ponham em risco a vida e à saúde das pessoas, os direitos humanos, o ambiente e o clima”, afirma a Aliança Latinoamericana de Enfrentamento ao Fracking no informe.