A expansão da indústria petroleira: corrupção e pré-sal no Brasil
Marcelo Calazans/FASE.

1. Pré-sal: energia extrema para aquecer o planeta!

pesca_livre_de_petróleo_nenhum_poço_a_mais Em 2005, a Petrobras descobriu hidrocarbonetos abaixo da camada geológica de sal, no campo de Tupi, na costa atlântica do Rio de Janeiro. Um ano depois, um consórcio de Petrobras, BG Group e Petrogal estimava de 5 a 8 milhões de barris de óleo equivalente na zona de pré-sal, abaixo de 2000m da camada de sal, depois de 2000m de rocha, sob 2000 a 3000m da lamina d’água do Atlântico.

As reservas mais profundas de petróleo na área do pré-sal foram encontradas em ambos os lados do Atlântico Sul, na África e no Brasil. Como comparação, a EIA (Energy Information Association) define como “ultraprofunda” a exploração no Golfo do México, com aproximadamente 1.500 metros.

Este tipo de extração de petróleo e gás é considerado uma das fontes de “energia extrema”, entre as hoje existentes. Depósitos em oceano profundo, localizados a 300 km da costa, sob condições imprevisíveis, muitas vezes graves, exigem investimentos substanciais para extrair, transportar e armazenar óleo e gás. A profundidade e pressão envolvidas na extração do pré-sal apresentam obstáculos tecnológicos significativos, que requerem uma vasta gama de especialistas, equipamentos de alta tecnologia, e infra-estrutura. Ainda assim, sempre serão operações de altíssimo risco, sem muitas possibilidades de precaução e prevenção, muito menos de monitoramento e controle. Não faltam exemplos de vazamentos e contaminações, em terra e em mar. No Brasil a exploração de óleo e gás já tem gerado impactos ambientais e sociais graves, resultando em aumento da contaminação e poluição, impactos na saúde dos povos, lutas pela terra no campo e na cidade, violência sexual e feminicídio nos distritos industriais, corrupção política, evolvendo trágicos conflitos e protestos em todo o país.

A indústria petroleira segue em expansão, mesmo diante da evidência de que a queima de combustíveis fosseis é a principal responsável pelo efeito estufa. A civilização do petróleo, do gás e do carvão já aqueceu o planeta em 0,7 graus Celsius, desde a Revolução Industrial inglesa. E segue em expansão, gerando novos derivados, para além do diesel e da gasolina, mercantilizando novas mercadorias petroleiras como o MDL, o REDD+, os pagamentos por serviços ambientais, o mercado do clima. A economia verde não se constrói em sentido contrário, mas antes se sustenta na expansão da economia petroleira.

Para a COP de Paris, em Dezembro, parece óbvio que a febre é da civilização petroleira, e que não pode ultrapassar os 2 graus Celsius, sob o risco de experimentarmos o pior cenário de colapso ambiental e das condições da vida na Terra. Para que a febre não atinja os 2 graus, projeta-se um limite máximo de emissões de CO2 na atmosfera de 565 bilhões de toneladas (Gt), valor que seria atingido em 17,5 anos, considerando as emissões de 2014 (2,3 Gt de CO2), conforme Marcelo Leite:

“Se 2.795 Gt é a quantidade de carbono contida nas reservas de petróleo, carvão e gás natural declaradas pelas empresas de combustíveis fósseis, pré-sal do Brasil incluído. Isso quer dizer que 4/5 das reservas mundiais de combustíveis fósseis são “inqueimáveis”. Terão de continuar debaixo da terra, se for para levar a sério a meta de não ultrapassar 2°C.” (Marcelo Leite Apocalipse: 2, 565, 2.795. Folha de São Paulo 22/03/2015).

2. Micropolítica do petróleo e o preço do barril.

Se em 2000, o setor petroleiro representava 3% do PIB brasileiro, 13 anos depois já atingia 13%, um significativo aumento que se acentua a partir dos dois governos de Lula (2003-2006 e 2007-2010) e no primeiro governo Dilma (2011-2014).

A oferta de novos blocos de exploração de petróleo e gás (incluído o de Xisto) teve de esperar 5 anos, de 2008 até 2013, porquanto durou o debate da nova lei dos royalties, que pos em evidencia o frágil pacto federativo brasileiro, entre os Estados “produtores” e “não produtores” de petróleo.

Na época, governadores de Estados como Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo, (onde se concentra a produção nacional e o pré-sal), para manter os royalties de “produtores de petróleo”, não se silenciavam diante dos vários impactos sociais e ambientais associados à exploração de petróleo. Organizavam marchas chapa-branca e reclamavam compensações prévias pelas possíveis e mesmo previsíveis contaminações, vazamentos, inchaço de pequenas e médias cidades, destruição de ambientes marinhos… Sabiam bem dos riscos inerentes a um Estado petroleiro, e dois anos antes, em 2011, ocorrera o grande vazamento da Chevron, no campo de Frade, Bacia de Campos. Celebridade ambiental, no vasto noticiário que cobria 24hs o vazamento, o ministro de meio ambiente, Carlos Minc falava para as câmeras com ênfase militante: “Poluiu, vai ter de pagar!”. Pura farsa. A mesma frase, em efeito espelho, soava invertida, para as empresas petroleiras: “Pagou, pode poluir!”.

Desde a descoberta do pré-sal em águas profundas no Espírito Santo, em 2006, o setor de petróleo e gás concentra os mais expressivos investimentos dos governos de Lula e Dilma. No Plano Decenal de Energia dos R$ 951 bilhões de investimento, 70,6% é para o setor de petróleo e gás, enquanto 22,5% para energia elétrica, e 7% biocombustíveis, por exemplo. Somente a Petrobras, em seu plano de Negócios 2014-2018 previa investimentos de US$ 220 bilhões. Os Planos de Aceleração do Crescimento (PAC 1 e 2) e o BNDES, orquestravam os investimentos dos Governos Lula e Dilma, construindo portos, estaleiros navais, minerodutos, refinarias, fábricas de fertilizantes, instalações logísticas on e off shore etc. Tudo em ritmo acelerado, a qualquer risco, a todo custo.

Um novo códigos florestal e mineral, a flexibilização da legislação ambiental, a não implementação dos direitos territoriais de povos tradicionais indígenas, pescadores, quilombolas, bem a como terceirização e precarização do trabalho selavam uma base parlamentar e uma composição ministerial de “alto risco”, pois baseada no jogo de interesses partidários e corporativos, na propina e na corrupção política junto a empreiteiras que participavam do pacto de poder: Odebrecht, Camargo Correa, Queiroz Galvão, Andrade Gutierrez, entre outras.

Mais que isso, a Petrobras e a massiva propaganda governamental, assentadas em projeções de “potenciais” 50, 35 ou 28 bilhões de barris em reservas no pré-sal, geravam uma euforia na sociedade brasileira, fundamentada na equação-fetiche: petróleo=direitos sociais. Acenavam para o conjunto da sociedade com a possibilidade de um “Wellfarstate” brasileiro, onde saúde, educação, moradia, saneamento, reforma agrária, tudo estaria “garantido” com um Brasil potencia petroleira, um Brasil dos royalties. O argumento era de tal forma que, se não tivesse petróleo, os governos se desobrigavam dos direitos de todos! E, para ter petróleo, era necessário recuar nos direitos de alguns, isto é, povos tradicionais, trabalhadores terceirizados e precarizados, direitos da natureza, dos habitantes das vizinhanças dos grandes projetos. Um violento e unilateral processo de Injustiça Ambiental.

A queda no preço do barril de petróleo, de US$ 115 em Junho 2014, para US$ 48 em Janeiro de 2015, atinge o inicio do segundo governo Dilma, concomitante a uma profunda crise política no pacto de poder hegemônico desde Lula em 2003. A prisão de altos executivos das empreiteiras e de diretores “partidários” da Petrobras explicita os mecanismos da corrupção e a corrupção dos mecanismos. Direita, centro e esquerda já não servem como referencia: diante do colapso dos fins, nenhum meio consegue se justificar ética e politicamente. Ainda pior, a conturbação do cenário político traz os fantasmas de um muro pré Berlim, anacrônicos e farsantes, ora defensores da ditadura militar, ora da soberania do país e da Petrobras, seja diante da ameaça vermelha ou yanke.

Embora diga que pode operar com o preço do barril até US$ 45, a Petrobras já declara seu “Plano de Desinvestimento” e a venda de ativos, para uns, privatização, para outros. A empresa se desfaz de fábricas de fertilizantes, diminui os investimentos em portos e refinos, investimentos em outros países, para se concentrar na exploração de óleo e gás. 92% da produção nacional são da Petrobras e 75% são de campos marítimos.

A atual baixa do barril de petróleo pode ser passageira, fruto de uma nova geopolítica global que envolve Rússia, China, Venezuela, países árabes, Ucrânia e a oferta de gás e a disseminação do fracking nos EUA e Canadá, além de conflitos civis e militares na África e Ásia. O mais seguro aqui é que o preço é volátil e, mesmo quando em baixa, não impede a expansão da indústria petroleira e da queima de combustíveis fosseis.

Assim, no Brasil, em meio a toda a crise, a produção de petróleo e gás bate recorde a cada ano, alcançando 3 milhões de barris por dia, em janeiro 2015, sendo 27% do pré-sal (800 mil bpd).

3. Soberania nacional x soberania dos territórios.

Qualquer toxitour nas áreas petroleiras como ao Norte e ao longo da Costa Atlântica do Espírito Santo constata:
•    Expulsão de comunidades tradicionais, inviabilizando suas economias locais.
•    Vazamentos constantes e contaminação da terra e da água de rios e córregos
•    Devastação do ambiente marinho e dos territórios pesqueiros.
•    Colapso das políticas sociais – saúde, moradia, educação, saneamento – nos distritos e cidades petroleiras.

Desde o primeiro governo Lula, centenas de empresas da área de petróleo e gás e suas associadas invadem o ES, apoiadas por investimentos do BNDES, do PAC e de empresas como Petrobras, StatOil, Shell, Total, Chevron, Jurong. O Estado promove e incentiva o setor petroleiro, seja oferecendo novos blocos de exploração, seja priorizando o setor de petróleo e gás no conjunto das políticas energéticas, destruindo direitos territoriais, seja acelerando licenciamentos sem os devidos cuidados de precaução e prevenção, seja ainda manipulando a consulta previa.

Em complexas operações financeiras, com arranjos produtivos subcartelizados e articulação política em labirinto partidário de poder nacional/estadual/municipal, no Espírito Santo as empresas e o Estado seguem interessadas na exploração em terra e offshore, realizando pesquisas sísmicas, perfurando novos poços, instalando dutos, terminais de óleo e gás, minerodutos, construindo terminais portuários e estaleiros navais, ocupando vastas áreas com espaços de logística. A crise pode diminuir o ritmo, mas o processo já está em curso.

Ao longo da Costa Atlântica, ou em terra no Norte do ES, a exploração devasta áreas de Mata Atlântica e de grande biodiversidade marinha. A expansão petroleira é imperativa, subordinando territórios pesqueiros, quilombolas, campesinos, indígenas, pequenos distritos urbanos, todos transformados em áreas de sacrifício. As condições de sobrevivência desses povos são destruídas, a resistência é expulsa, perseguida e criminalizada. Contra a expansão desenfreada de novos blocos e poços de exploração, não se tem o direito de dizer não. Em nome da soberania nacional, em nada respeitam a soberania dos povos e dos territórios!

Nas instancias internacionais e nacionais a Economia Verde Petroleira compensa seus impactos financiando projetos socioambientais, artistas, esportistas, ambientalistas, cientistas. Nos processos locais, impera o racismo ambiental e a violência da polícia do Estado, associada muitas vezes a milícias privadas, como no emblemático caso de assassinato de pescadores da Associação Homens do Mar, em conflito com a Petrobras na Baia de Guanabara, no Rio de Janeiro.

Por outro lado, cidades e distritos que convivem com a indústria petroleira a mais de décadas, como no caso do Norte do Rio de Janeiro e no recôncavo na Bahia, demonstram que a renda do petróleo não é distribuída pelo conjunto da sociedade, mas antes disso, gera uma elite local que concentra renda e poder, e grandes periferias urbanas e zonas de sacrifício. Indiferentes diante das violações à soberania dos territórios, e transigentes com os graves impactos sociais e ambientais da indústria petroleira, soa como farsa a defesa da “soberania nacional” e de sua corporação petroleira, a Petrobras. A experiência de pescadores e quilombolas no ES e na BA demonstra que o diálogo com a Petrobras não é em nada mais democrático ou transparente, por ser ela (em certa medida!) estatal. Também seus vazamentos e violações não são menos impactantes, por ser do Estado.

4. Campanha “Nenhum poço a mais!”.
Seguindo as injustiças e os conflitos sociais e ambientais relacionados à exploração de petróleo e gás, em vários estados da federação, articulando redes nacionais e regionais, no campo da sociedade civil brasileira, se faz um debate estratégico, inspirado por colegas de Oilwatch Sudamerica.

Cada vez mais movimentos e organizações sociais, independentes e críticos diante do nacional desenvolvimentismo ou do neoliberalismo, ambos petroleiros, consideram ser de fundamental importância o enfrentamento explícito e direto da expansão do modelo petrodependente de sociedade. Sob maior ou menor controle percentual do Estado, os leilões de oferta de novos blocos não vão parar, bem como as injustiças ambientais de novas explorações em terra e em mar. Em Outubro/2015 está prevista a 13ª rodada de licitação da Agencia Nacional do Petróleo (ANP) oferecendo mais 269 blocos em 22 setores de 10 bacias sedimentares, num total de 125.126 km² localizados em 10 estados brasileiros. Conforme ANP:

“”Em terra, serão oferecidos sete blocos na Bacia do Amazonas e 22 na do Parnaíba, consideradas como novas fronteiras, com vocação para gás natural. Em bacias maduras, foram incluídos 71 blocos na Bacia Potiguar e 85 na do Recôncavo. Total de blocos terrestres: 185.
No mar, a rodada vai oferecer áreas em bacias sedimentares da margem leste brasileira. Na Região Nordeste, serão 10 blocos na Bacia de Sergipe-Alagoas, quatro na de Jacuípe e nove na de Camamu-Almada. Na Região Sudeste, foram incluídos sete blocos na Bacia do Espírito Santo e três na de Campos. Na Região Sul, 51 blocos na Bacia de Pelotas, considerada como nova fronteira. Total de blocos marítimos: 84.”  (ANP Junho/2015)

Defender os territórios de resistência, criar todos os tipos de barreiras e obstáculos para que a expansão não se dê, diminuir seu ritmo acelerado e a qualquer risco, questionar sobretudo os usos e modos de vida que “justificam” essa expansão. Uma pauta estratégica de campanha junto à sociedade civil brasileira.
Na crítica e enfrentamento da expansão, pescadores e pescadoras artesanais, quilombolas, ribeirinhos, camponeses, indígenas, acadêmicos, artistas, estudantes, cicloativistas, recicladores e recicladoras urbanas, militantes em defesa dos “territórios de utopia”, iniciam a campanha “Nenhum poço a mais!”
Uma sentença que soa em apoio às campanhas pela regularização dos territórios pesqueiros, indígenas e quilombolas, bem como em defesa de alimentos livres de agrotóxicos, de mobilidade urbana, de redução do lixo plástico, e contra as falsas soluções para a crise do clima.

“Nenhum poço a mais!” faz questionar sobretudo a expansão, e seus falsos motivos. Pois “Nenhum poço a mais!” não diz que “já e agora” vai se parar de usar petróleo e gás. Ou que vai desempregar todos os trabalhadores da cadeia do petróleo, ou ainda que não seja possível ter automóveis e fertilizantes etc. “Nenhum poço a mais!” é antes um estratégico apelo para pensar a necessária e urgente diminuição (e melhor seleção) dos usos de combustíveis fósseis, por justiça ambiental e climática, em defesa dos territórios de utopia. Afinal, a transição social e energética somente será possíve, se conseguirmos barrar a expansão desenfreada da civilização do petróleo.