OS RISCOS DA UTILIZAÇÃO FRACKING PARA OS RECURSOS HÍDRICOS E A GESTÃO AMBIENTAL: VULNERABILIDADES DO RECÔNCAVO BAIANO

Bianca Dieile da Silva(1) Pesquisadora em Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz. Bacharel em Química – Universidade Estadual Paulista, Mestre em Engenharia Civil – Universidade de São Paulo. e-mail: bianca@ensp.fiocruz.br

RESUMO A exploração de gás natural de folhelho por meio do faturamento hidráulico de alta pressão representa um risco para os recursos hídricos. A técnica conhecida como fracking, causa diversos impactos como a contaminação de águas subterrâneas pelo fluido de perfuração e por gás metano, o aumento da demanda de água e vazamentos no transporte de efluentes. Em 2013, a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) realizou a 12ª Rodada de licitações para concessões de blocos exploratórios de gás em terra e declarou que o início da exploração de gás não convencional provavelmente seria nas bacias maduras do Recôncavo Baiano e de Sergipe/Alagoas. Este artigo pretende descrever como os órgãos ambientais reagiram a essa proposta utilizando os documentos públicos disponíveis principalmente do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, do Conselho Nacional de Meio Ambiente e da ANP. Com foco nos recursos hídricos, foram descritos os impactos já ocorridos nas áreas exploradas e as vulnerabilidades do Recôncavo Baiano para justificar um necessário aprofundamento na discussão. Com os riscos já conhecidos e uma regulamentação frágil, seria importante, além de ampliar as arenas de discussão, considerar o Princípio da Precaução visando a conservação dos corpos hídricos e da saúde das populações.

PALAVRAS-CHAVE: impacto ambiental, fracking, recursos hídricos (localizadora: fracking)

INTRODUÇÃO

A extração de gás sempre esteve vinculada à indústria de petróleo. Por muito tempo o gás foi desconsiderado como fonte energética, sendo simplesmente queimado, prática que perdura em alguns poços até hoje. Com a valorização do petróleo e o aumento de infraestrutura de transporte e refino de gás, este recurso passou a ser mais valorizado. O resultado desse processo em nível global é o avanço da fronteira do petróleo e do gás na direção de novos territórios. Atualmente as fronteiras de produção de energia estão avançando sobre as fontes não convencionais, como o pré-sal, extração de óleo de areias betuminosas e a exploração do gás de folhelho, popularmente como “gás de xisto” que se utiliza do faturamento hidráulico de alta pressão, conhecido como fracking, para sua exploração. A adoção de novas tecnologias ou de novos processos de exploração de petróleo e gás traz um panorama de incertezas e riscos além dos já conhecidos, ainda mais no Brasil que apresenta uma fragilização das políticas públicas setoriais de garantia de direitos como saúde, meio ambiente saudável e educação para populações vulnerabilizadas pelas desigualdades sociais.

Em 2013, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) realizou a 12ª Rodada de Licitações, focada em reservas de gás natural em terra, com o objetivo, dentre outros, de ampliar as reservas e a produção brasileira de gás natural e o conhecimento das bacias sedimentares. Esta Rodada prevê procedimentos específicos para a exploração de gás de fontes não convencionais, dentre elas a de gás de folhelho. Naquela ocasião, a diretora da ANP, Magda Chambriard afirmou que tudo indicava que a exploração de gás não convencional se iniciaria nas bacias maduras do Recôncavo e de Sergipe/Alagoas. Em 2014 foi publicada a Resolução ANP n 21/2014 visando a regulamentação do uso da técnica de fraturamento hidráulico. A forma que a resolução foi redigida deixa em aberto algumas questões como: o que seriam níveis toleráveis para o risco das fraturas alcançarem corpos hídricos subterrâneos e o limitado número de parâmetros de controle de qualidade de água visando a identificação de ocorrência de vazamentos, já que os mesmos não contemplam a diversidade de produtos químicos utilizados nos fluidos de perfuração e; por fim, quais critérios foram utilizados para a definição da distância de 200m entre os poços de exploração de gás de folhelho e os poços de água de uso humano.

Em 2015 o licenciamento ambiental relacionado com a exploração de fontes não convencionais de petróleo e gás natural foi centralizado no IBAMA por meio do Decreto 8437/2015. Além disso foi criado um grupo interministerial no âmbito do Programa de Mobilização da Indústria de Petróleo e Gás Natural (PROMINP), que conta com a presença do Ministério de Minas e Energia, Ministério do Meio Ambiente, Petrobrás, Agência Nacional de Águas (ANA), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), ANP, Serviço Geológico do Brasil, Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e Instituto IV Congresso Baiano de Engenharia Sanitária e Ambiental 2 Cruz das Almas, Bahia – 13 a 16 de julho de 2016 Brasileiro de Petróleo (IBP) que busca a viabilidade do uso da técnica no Brasil. Até o presente momento não há registros de que a exploração de gás não convencional tenha se iniciado pelo uso do fracking no país.

O uso da tecnologia de faturamento hidráulico ou fracking provavelmente aumentará consideravelmente os impactos relacionados à qualidade e uso da água, principalmente em áreas sob alta pressão antrópica ou industrial que já apresentam problemas como o abastecimento de água deficitário, como é o caso da bacia hidrográfica do Recôncavo Norte. No Brasil, recentemente temos visto problemas sérios na gestão dos recursos hídricos com riscos cada vez maiores de comprometimento na segurança da água de abastecimento humano. A política de recursos hídricos no Brasil é relativamente recente e ainda não está totalmente implementada, assim, suas ferramentas de controle, como o sistema de regularização de outorgas ou controle de emissão de efluentes, apresentam limitações.

OBJETIVO

Neste contexto, este artigo discute os potenciais riscos da exploração de gás de fontes não convencionais pelo uso do fracking aos recursos hídricos e descreve a participação dos órgãos ambientais tendo como base o atual sistema de gestão ambiental e de recursos hídricos. O estudo foca nos potencial impactos na região do Recôncavo Baiano.

METODOLOGIA

Primeiramente foi realizada uma revisão da literatura sobre o tema do uso do fracking para a exploração de gás não convencional em bases de dados de produção científica para levantar os impactos ambientais, principalmente na água, já registrados. Em um segundo momento foram coletados dados referentes ao histórico e aos processos de atuação dos órgãos ambientais e de recursos hídricos. Tendo sido consultados os documentos disponibilizados pela ANP, pareceres do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado da Bahia (INEMA), do Grupo de Trabalho Interinstitucional de Atividades de Exploração e Produção de Óleo e Gás (CGETPEG) apresentados no processo de definição dos blocos exploratórios da 12ª e 13ª Rodadas de licitação, as transcrições das reuniões do Conselho Nacional de Recursos Hídricos e do Conselho Nacional de Meio Ambiente e o material disponibilizado nas audiências públicas sobre o tema. A partir dessas informações é feita uma descrição da atuação dos órgãos.

RESULTADOS

Riscos do fracking para os recursos hídricos

Dos impactos ambientais descritos na literatura científica, os impactos nos corpos hídricos tem suscitado especial atenção tanto pela frequência quanto pela gravidade, a utilização do fracking foi citada como um risco emergente no relatório de 2014 do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) tanto pelo alto consumo de água quanto pelo risco relacionado ao uso de substâncias químicas tóxicas. Os impactos se iniciam na etapa de preparação da área para a perfuração do poço, já que é necessário uma terraplanagem, impermeabilização do solo e transporte de estruturas e de produtos químicos até o local. Também há riscos nas etapas de: perfuração, onde pode ocorrer a contaminação das águas subterrâneas, e no manejo de efluentes que, é armazenado, transportado e tratado, geralmente longe dos poços, configurando riscos nos caminhos e locais onde estas operações são realizadas.

O consumo de água nos territórios pode ser impactado em função da quantidade de água extraída. No Estado do Texas nos Estados Unidos, por exemplo, utilizando tecnologia de ponta utilizam-se 13,6 mil m3 de água para a perfuração de um poço. Durante o processo todo a exploração de gás de folhelho por meio do faturamento hidráulico de alta pressão utiliza-se de 2 a 100 m3 /TJ comparado com 0,001 a 0,01 m3 /TJ da exploração de gás convencional (IEA, 2012).

A quantidade utilizada pode comprometer a disponibilidade de água para outras atividades, aumentar a concorrência pelo uso ou até mesmo acabar com reservatórios de águas subterrâneas pelo excesso de extração, comprometendo outros poços. Estes riscos estão relacionados diretamente com o contexto local e regional, a disponibilidade hídrica superficial e subterrânea e a relação com os outros usos da água. Esta escassez gerada de maneira permanente ou temporária influencia outros indicadores relacionados com a aquisição de água como preço, disponibilidade e custo de transporte que muitas vezes é feita por caminhões pipa. Muitas vezes não há informação nem ferramentas suficientes e disponíveis para a avaliação dos impactos possíveis pela implantação desta atividade em determinada área, o que pode surpreender os gestores responsáveis pelo controle dos recursos hídricos e seus usuários. Por isso a importância de políticas que definam mecanismos de avaliação e controle das atividades nas suas diversas escalas e dimensões (ambiental, social e econômica) (BURTON JR et al, 2014).

Outro risco a ser considerado é o transporte e manipulação do fluido de perfuração. A composição dos fluidos de perfuração e faturamento hidráulico, varia de acordo com os solos e as fases do processo, apresenta espessantes, quelantes, oxidantes, enzimas e biocidas. A composição é um indicador importante para a avaliação dos riscos IV Congresso Baiano de Engenharia Sanitária e Ambiental Cruz das Almas, Bahia – 13 a 16 de julho de 2016 3 ambientais e para a saúde considerando que os fluidos apresentam muitas substâncias que são consideradas tóxicas ao meio ambiente e à saúde pública.

Além disso, há substâncias que não tiveram sua toxicidade avaliada nas condições de uso como sob altas pressões e na mistura com outras substâncias. No Brasil, de acordo com a regulamentação atual, toda a composição deverá ser descrita, porém os mecanismos de controle sobre esta informação, como auditorias e fiscalização, não são claros.

Para se realizar a perfuração além da água e dos produtos químicos utiliza-se areia, que gera um impacto indireto aos corpos de água pois geralmente é retirada de margens de rios comprometendo as estruturas hidrológicas e a qualidade da água destes rios.

O tratamento do efluente gerado também é um processo complicado pela quantidade, bem como pela sua composição. O efluente é composto de metais pesados, as substâncias químicas do fluido, organoclorados e minerais das rochas. Normalmente apresenta também salinidade e, em alguns casos, os minerais lixiviados podem ser levemente radioativos, devendo ser tomados os devidos cuidados na superfície, como: armazenamento em local com proteção contra a chuva e isolamento do solo (IEA, 2012). O tratamento destes efluentes nem sempre é no local de extração causando um impacto considerável no sistema viário e aumentando o risco de contaminação por acidentes e vazamentos. Por esta razão, RAHM et al. (2013) recomenda que países devem rever a sua regulamentação, aumentar a transparência no controle dos processos e aumentar o seu pessoal responsável pelo monitoramento destas atividades. E principalmente, que se utilizem de ferramentas de planejamento para mitigar possíveis impactos negativos das atividades nos territórios, incluindo o controle de transporte de efluente. O principal problema registrado até agora são os vazamentos tanto dos fluidos de perfuração que possuem substâncias tóxicas quanto dos efluentes gerados (BURTON JR et al. 2014).

Um estudo financiado pela indústria descreve que 6% dos poços do Estado da Pensilvânia (EUA) possuem algum tipo de dano na sua estrutura levando ao vazamento de gás ou de fluídos (DAVIES, et al, 2014). Os casos de contaminação de águas subterrâneas estão aumentando, em 2013 JACKSON et al estudaram 141 poços de água potável no nordeste da Pensilvânia (perto do campo de Marcellus) e encontraram gases componentes de gás natural, principalmente, em poços de água com distância menor que 1 km dos poços de extração. O gás mais abundante no gás natural, o metano, foi encontrado em 82% das amostras de água potável comprovando assim a contaminação dos poços por gás. Em 2014 foram reconhecidos como poços contaminados pelo Departamento de Proteção Ambiental do Estado da Pensilvânia 243 poços de água de abastecimento humano, no início de 2016 já eram 272 poços contaminados.

Como foi descrito, os vários impactos podem influenciar a gestão de recursos hídricos em diferentes níveis, local, regional e por bacia hidrográfica, além de apresentar várias dimensões como concorrência pelo uso da água para outras atividades econômicas e a escassez temporária ou permanente. Além da contaminação dos corpos hídricos e dos mananciais de água, comprometendo a biodiversidade e o uso potável da água, há aumento do transporte de água com o consequente aumento de tráfego, comprometimento dos rios pela exploração de areia, alteração nas superfícies de recarga de aquíferos, riscos de contaminação de aquíferos, dentre outros. Todos estes impactos terão reflexos na qualidade de vida da população do entorno destes empreendimentos e na sua saúde.

Gestão ambiental no Brasil e a exploração do gás de folhelho

No Brasil, embora já houvesse várias leis que tratavam da conservação dos recursos hídricos como o Código Florestal de 1965, somente em 1997 com a Lei 9.433/1997, conhecida como a Lei das Águas, é instituído no Brasil a Política Nacional de Recursos Hídricos. Pela primeira vez, o uso prioritário humano foi garantido. Esta política também descreve os instrumentos legais e institucionais necessários para o ordenamento das questões referentes à disponibilidade e ao uso sustentável de suas águas. Os principais instrumentos desta política são: os Planos de Recursos Hídricos (por bacia hidrográfica e por Estado), a outorga de direito de uso e a cobrança pelo uso dos recursos hídricos. Esta lei também promove a gestão descentralizada e compartilhada dos recursos hídricos, definindo as bacias hidrográficas como unidades de planejamento, por meio dos Conselhos Nacional e Estaduais de Recursos Hídricos e os Comitês de Bacia Hidrográfica.

O Conselho Nacional de Recursos Hídricos, que também é composto por câmaras técnicas, recebeu na sua 30ª Reunião Ordinária da Câmara Técnica de Águas Subterrâneas uma proposta de moção que solicitava a realização de mais estudos sobre a segurança do uso da técnica de fracking, principalmente para as áreas que estão sob aquíferos. Após uma discussão na plenária, optou-se pela realização de um seminário específico para a discussão sobre a possibilidade da exploração de gás não convencional no Brasil e seus potenciais impactos. Este seminário foi realizado em 2014 e o assunto não retornou à pauta do Conselho Nacional de Recursos Hídricos.

Não foi por acaso que a proposta de moção ter surgido na Câmara Técnica de Águas Subterrâneas, já que o Brasil é um grande usuário de águas subterrâneas. Segundo a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico de 2008, há 3.545 municípios que fazem a captação de água por meio de poços profundos, que apresentam uma qualidade de água melhor IV Congresso Baiano de Engenharia Sanitária e Ambiental 4 Cruz das Almas, Bahia – 13 a 16 de julho de 2016 que os poços rasos, utilizados por 688 municípios. Portanto, uma parcela considerável da população no país tem o seu suprimento de água condicionado à conservação dessas fontes.

Outro órgão que foi envolvido com a proposta do governo de iniciar a exploração de gás não convencional foi o Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), responsável por definir medidas de controle de poluição, controle da qualidade dos efluentes emitidos nos corpos de água e a resolução de classificação dos corpos de água. Em parecer apresentado na 12ª Rodada, o Grupo de Trabalho Interinstitucional de Atividades de Exploração e Produção de Óleo e Gás (CGETPEG) recomendou a elaboração de uma resolução específica do CONAMA sobre os parâmetros de controle de poluição relacionado a exploração do gás não convencional. O CONAMA na sua 113ª Reunião Ordinária registrou a preocupação de uma conselheira sobre o tema diante dos riscos apresentados. Então, o secretário executivo, Francisco Gaetani afirmou que considerava que o conselho estava atrasado nesta discussão, porém que já havia tido uma reunião com representantes do Ministério de Minas e Energia sobre o tema e que pretendia realizar uma discussão mais qualificada sobre o tema ainda naquele ano, de 2014. Nas reuniões subsequentes o assunto não foi retomado. O governo se mobilizou para a criação do grupo interministerial no âmbito do Programa de Mobilização da Indústria de Petróleo e Gás Natural (PROMINP). Este grupo é constituído pelos seguintes órgãos: Ministério de Minas e Energia, Ministério do Meio Ambiente, Petrobrás, Agência Nacional de Águas, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), ANP, Serviço Geológico do Brasil, Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP). Este grupo tem como objetivo fomentar o aproveitamento de hidrocarbonetos não convencionais no Brasil e apresentaria um relatório para discussão pública, segundo Sílvio Jablonsky, Chefe de Gabinete da ANP, em apresentação na audiência pública sobre o Projeto de Lei 6904/13 (que solicita uma moratória de 5 anos ao uso da técnica de fracking) na Câmara dos Deputados em julho de 2015, o relatório preliminar seria apresentado para a discussão pública porém até a presente data, o mesmo não foi publicado. Vulnerabilidades hídricas da região do Recôncavo Baiano O Brasil tem sofrido vários impactos nos seus recursos hídricos nos últimos anos, tanto pela maior incidência de desastres naturais, dos quais estiagem e seca é o que mais afeta a população brasileira, por ser mais recorrente, quanto por problemas causados pela contaminação industrial. O número de estiagens e secas aumentou 2,7 vezes entre a década de 90 e a de 2000 segundo o Atlas Brasileiro de Desastres Naturais de 2012 e com os cenários previstos com as mudanças climáticas, a ocorrência de eventos extremos tendem a aumentar. Na Bahia, estado que sofre de secas recorrentes, em fevereiro de 2016 havia 244 municípios com decretos de situação de emergência homologados pelo governo estadual somando mais de 2 milhões de pessoas atingidas pela estiagem. A grande maioria destes municípios estão localizados no semiárido e os que não estão em situação de emergência geralmente colaboram enviando água por meio de caminhões pipa para as áreas mais atingidas. O Recôncavo Baiano, onde está a maior parte da população e que inclui a capital Salvador também sofreu os maiores impactos industriais como a contaminação do Rio Subaé por chumbo e pela histórica exploração de petróleo em terra. Atualmente também possui o complexo de Camaçari, composto de refinaria de petróleo e unidades industriais petroquímicas. É dividido em duas bacias hidrográficas, a Bacia Recôncavo Norte e Inhambupe e a do Recôncavo Sul, este estudo se restringe ao estudo da bacia hidrográfica do Recôncavo Norte que é onde estão localizadas as áreas de exploração de petróleo e gás em terra. A bacia hidrográfica do Recôncavo Norte e Inhambupe (BHRN) já apresenta deficiência no abastecimento humano devido ao crescente aumento da demanda, alteração da qualidade das águas dos rios da região (devido ao lançamento de resíduos urbanos e industriais) e a destinação final imprópria dos resíduos sólidos, com risco a contaminação das águas subterrâneas. O maior usuário da água subterrânea na BHRN é o Polo Petroquímico de Camaçari, com vazão outorgada de 135.000 m3 /dia, para seus inúmeros processos industriais, superando, em quase o dobro, a vazão outorgada para a EMBASA, principal usuária responsável pelo abastecimento público de água na BHRN (SANTOS & OLIVEIRA, 2007). O Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado da Bahia, quando solicitado a elaborar o parecer sobre as áreas onde estão localizados os blocos ofertados na 12ª Rodadas de Licitações conforme rito previsto na legislação para a definição dos blocos, apresentou diretrizes sobre as atividades a serem realizadas como a perfuração de poços, onde proíbe a utilização de óleo diesel e querosene como fluidos de perfuração e a construção de diques para a disposição de resíduos gerados pela atividade de perfuração. Para os poços que atravessarem formações contendo reservatórios de água doce, o fluido da primeira fase de perfuração deveria ser a base de água com salinidade abaixo de 10g/l. Como a 12ª Rodada era clara sobre as intenções de abertura a possibilidade de exploração de gás não convencional, o parecer apresentou o que era compreendido como faturamento hidráulico de alta pressão e para a 13ª Rodada, o parecer afirma que não contempla avaliação para fraturamento hidráulico com gradiente de pressão superiores a 0,231 kgf/cm2/m ao IV Congresso Baiano de Engenharia Sanitária e Ambiental Cruz das Almas, Bahia – 13 a 16 de julho de 2016 5 fluido de fraturamento, com volume de até 70 m3, no horizonte contra a rocha reservatório cuja permeabilidade seja superior a 0,1 mD (mili Darcy). Esta definição foi importante já que na resolução ANP n 21, a definição de faturamento hidráulico está restrita ao volume e a permeabilidade da rocha, portanto sem a especificação do gradiente de pressão. Esse parecer também volta a explicitar o risco da realização de fraturamento hidráulico na Formação de São Sebastião que possui aquíferos de água doce que poderiam ser afetados. DISCUSSÃO E CONCLUSÕES A gestão de águas no Brasil apresentam limitações atuais que podem ser agravadas por uma atividade intensiva em água e com alto potencial de conflito de uso e contaminação local e difusa como é o caso da utilização do fracking. Os impactos nos recursos hídricos descritos, principalmente no caso de vazamentos, poderiam não ser notificados e nem caracterizados pela ausência de mecanismos de controle que enfrentem as questões e riscos específicos desta atividade. Estes mecanismos de controle devem ser definidos pelos órgãos competentes como o Conselho Nacional de Meio Ambiente, órgãos estaduais de controle ambiental, e até mesmo pelos municípios. Estes problemas se estendem ao controle de água de uso humano, cuja a Portaria MS n 2914/11 que tampouco possui parâmetros de controle de qualidade de água que respondam a estes novos desafios. Nossos órgãos de controle e fiscalização tanto nos níveis federal quanto estadual sofrem de problemas com recursos, falta de estrutura e número de fiscais suficientes comprometendo um controle efetivo das atividades industriais potencialmente poluidoras já existentes, fato comprovado pela baixa efetividade das ações de monitoramento, controle e fiscalização resultando na má qualidade da água dos nossos corpos hídricos. No Recôncavo Baiano, o caso histórico da contaminação do Rio Subaé por chumbo é um exemplo a ser considerado. No setor da saúde, o Vigiágua, programa responsável pelo controle de qualidade da água de abastecimento humano que faz parte da Vigilância Ambiental em Saúde também apresenta limitações nas suas ações como a ausência de infraestrutura para realização de análises. Mesmo as ferramentas já existentes, como no caso dos sistemas de concessão e controle de outorgas de água, apresentam discrepâncias entre os valores outorgados e realmente utilizados além de um grande número de captações ainda sem regularização. Em uma região que já apresenta estresse hídrico, seria fundamental que o sistema funcionasse de forma a garantir o uso humano prioritário, principalmente das águas subterrâneas. Os pareceres elaborados pelo INEMA foram importantes para descrever os riscos locais específicos relacionados com os aquíferos presentes na área potencialmente atingida e por já definir algumas medidas de controle como restrições à composição do fluido e para esclarecer qual tipo de faturamento hidráulico foi considerado na sua avaliação de riscos. É fundamental que os órgãos ambientais estejam atentos a estas questões, já que são os mesmos que terão que implementar as medidas de controle e fiscalização, além de serem os mais tecnicamente competentes para indicar peculiaridades nas vulnerabilidades ambientais do seu estado. A região do Recôncavo Baiano necessita de um estudo específico que considere as suas vulnerabilidades ambientais e hídricas para que o quadro de contaminação e escassez não se agrave a ponto de comprometer o direito à água segura das populações. Com a complexidade dos impactos já descritos, é necessária uma preparação tanto das políticas públicas quanto dos órgãos responsáveis pelo controle ambiental local. Os órgão responsáveis pelas questões ambientais (CONAMA) e hídricas (CNRH) do nível nacional não se posicionaram sobre o tema e o CONAMA, mesmo reconhecendo a importância de uma discussão mais qualificada, não a fez. Seria importante também que houvesse uma discussão sobre quais ações seriam tomadas pelo setor da saúde diante dos riscos que não se limitam ao campo ambiental como a proteção da qualidade da água de consumo humano. Sem um posicionamento destes órgãos sobre a questão, a única regulamentação vigente é a elaborada pela ANP, ou seja a Resolução ANP n. 21/2014. Embora a ANP seja o órgão responsável pela definição de medidas operacionais da exploração de gás não convencional, e possui a atribuição de fazer cumprir as boas práticas de conservação e uso racional do petróleo, gás natural, seus derivados e biocombustíveis e de preservação do meio ambiente, a mesma não possui sozinha a responsabilidade e nem a competência necessária para definir parâmetros de controle de água considerando as questões ambientais e de saúde. Este fato se comprova pela fragilidade da Resolução ANP n 21/2014 para controle dos riscos das substâncias tóxicas presentes nos fluidos e nos efluentes e em impactos no nível regional como o aumento da concorrência pela água e da logística de transporte de efluentes. Tanto no CNRH quanto no CONAMA ficou nítida a influência do Ministério de Minas e Energia, primeiramente na negociação para que a moção proposta pela Câmara Técnica de Águas Subterrâneas não fosse aprovada e na realização de reunião com o secretário do CONAMA. Juntamente com a criação do grupo interministerial no âmbito do Programa de Mobilização da Indústria de Petróleo e Gás Natural (PROMINP) que já se propõe fomentar o aproveitamento de hidrocarbonetos não convencionais no Brasil, essas ações demostram um forte apelo para a exploração deste recurso independente do posicionamento da sociedade e sem uma discussão ampla sobre o assunto, mesmo com vários blocos de exploração concedidos na 12ª Rodada suspensos por processos judiciais e manifestações públicas de instituições IV Congresso Baiano de Engenharia Sanitária e Ambiental 6 Cruz das Almas, Bahia – 13 a 16 de julho de 2016 científicas e ambientais solicitando mais estudos antes que a decisão da exploração fosse tomada. Esta questão demostra como o controle social das questões hídricas e ambientais ainda se mostra ineficiente já que as decisões e discussões sobre temas tão importantes como este continuam, de certa forma, sendo restritas a reuniões e grupos de trabalho onde não há a participação da sociedade civil organizada. Com os riscos já conhecidos seria importante, além de ampliar as arenas de discussão, considerar o Princípio da Precaução na adoção da tecnologia do fracking para a conservação dos corpos hídricos e da saúde das populações dos territórios potencialmente impactados. REFERÊNCIAS BURTON JR., G.A.; BASU, N.; ELLIS, B.R.;,KAPO, K.E.; ENTREKIN, S, NADELHOFFER. Hydraulic “Fracking”: Are surface Water Impacts an Ecological Concern? . Environmental Toxicology and Chemistry. Vol. 33. N. 8. August 2014. 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