A campanha Nem Um Poço realizou, nos dias 28 e 29 de outubro, o seu último intercâmbio do ano de 2016. Percorremos a região Sul do Espírito Santo, onde três portos ameaçam ocupar mais de 20 milhões de m² de área para garantir o fortalecimento da logística para o mercado do petróleo e gás do sudeste.
Para a região está previsto a construção do Porto Central, em Presidente Kennedy, que apesar dos 40 pedidos de revisão e esclarecimentos por parte do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), e das críticas aos leiautes apresentados, aos trechos que fazem menção ao Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) do Espírito Santo, aos aspectos ambientais e aos pontos referentes às populações tradicionais e área social, já possui sua Licença de Instalação (LI) em mãos.
O segundo porto é previsto para ser construído na cidade de Itapemirim. Apresentado como C-Port Brasil Logística Offshore, o porto já foi declarado “de caráter de utilidade pública” e deverá ser construído na praia da Gamboa. Além do aterro previsto para a região, o grande movimento marítimo e costeiro, como avaliou o próprio Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) do empreendimento, deverá impedir atividades pesqueiras na região.
Já o Itaoca Offshore, terceiro porto previsto para ser construído no Sul do Estado é descrito pela comunidade pesqueira como uma forte ameaça ao modo de vida tradicional da região. O empreendimento é considerado entre os pescadores como um dos mais ameaçadores para os municípios de Itapemirim e Marataízes, um dos mais ricos em camarões do Estado.
Neste cenário, ouvimos pescadores e pescadoras, artesãs, trabalhadores e trabalhadoras da área de reciclagem, jovens do projeto Rema, quilombolas do Sul do Estado, bem como os representantes das áreas já afetadas pela cadeia de petróleo e gás que vieram de Linhares, de Conceição da Barra, Aracruz e da Região Metropolitana que participaram e fortaleceram a troca de experiência entre as regiões.
Além de ver de perto o território ameaçado pelo setor de petróleo e gás na região, a ideia do giro é sempre a de ouvir os moradores da região e de garantir a interação e o fortalecimento das populações que sofrem com o impacto direto destes empreendimentos, e buscam na luta anti-petroleira um futuro com territórios livres para a vida, livre de contaminação e sem a opressão sob suas tradições.
“Chegou um estrangeiro aqui representando o Porto Central e disse para não nos preocuparmos que nossa comunidade não seria atingida. Na documentação apresentada em Brasília nós também não estávamos inseridos nos impactos, mas já sabemos que vai passar carro no meio da nossa comunidade. Corremos atrás e vimos que estamos sim inseridos na área de impacto direto do empreendimento”, contou Tânia ….., quilombola da comunidade de Boa Esperança, em Presidente Kennedy.
“Elas chegam mansinhas, fazem festa para as crianças da comunidade, dão refrigerante e suco até cansar. O filho se apaixona pela tia da Petrobras, ganham boneca, bola e é aí que ela vai criando uma necessidade que não existia antes. As crianças já não querem mais viver sem. Mas, veja bem, isso é antes da operação tá? Depois que já estão funcionando, não tem bala, não tem pirulito e muito menos emprego. Depois da operação o que vem é droga, prostituição e o fim da nossa paz”, disse Kátia dos Santos Alvarenga dos SantoS, ribeirinha da região de Regência, em Linhares, no norte do Estado.
“O Porto Central ficará praticamente em cima da maior área pesqueira que temos aqui”, Diviane Chagas, presidente da Colônia de Pesca de Barra do Itabapoana, no Rio de Janeiro.
“Aqui o Plano de Desenvolvimento Econômico não quer colocar pescador como atividade econômica. O Plano de Desenvolvimento Municipal está sendo discutido no interior pra excluir pescadores. Querem nos isolar do debate”, afirmou Carlos Beloni, presidente da Colônia de Pesca de Presidente Kennedy, Z14.
Além do impacto direto na renda dos pescadores e pescadoras artesanais, bem como no meio ambiente, os participantes do intercâmbio da Campanha Nem Um Poço a Mais apontaram a baixa empregabilidade nos processos de instalação e funcionamento dos empreendimentos como um forte impacto, bem como a chegada de trabalhadores para a fase de instalação dos portos que causará inchaço populacional e graves problemas sociais como a concentração de renda, a ocupação desordenada do solo, o aumento da violência urbana e a ineficiência do sistema de saúde e de educação da região.
O que se vê na região é que as características culturais, paisagísticas e ecológicas não estão sendo levadas em conta para a implantação dos projetos. Na região onde os portos ainda não começaram suas obras, a ameaça ao modo de vida tradicional é constante, os catadores de aroeira já buscam novas áreas, os pescadores temem novas restrições para a pesca e a comunidade oscila entre as já conhecidas promessas de oportunidade de emprego vendida pelos projetos e a expectativa de poder se tornar a “nova Macaé”.