A 17ª Rodada de licitações da ANP
No dia 7 de outubro, aconteceu a 17ª Rodada de Licitações da Agência Nacional do Petróleo,
Considerada um “sucesso” pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) e pelo Ministério das Minas e Energias (MME), comemorada como um “fracasso” por movimentos sociais e ongs ambientais, a 17ª. Rodada merece maior reflexão política, para além das notas técnicas.
Sem dúvida, uma rodada que ofertava 92 blocos offshore, em 4 bacias sedimentares, que previa R$ 136 milhões de arrecadação, e que vendeu 5 blocos a R$ 37 milhões, só pode ser um fracasso. Apenas um governo que nega a eficácia de máscara e vacina, que nega o aquecimento global, que nega o estado de direitos, só esse tipo de negacionismo pode negar também o fracasso da 17ª. rodada de oferta.
O diretor da ANP, Rodolfo Saboia tentou explicar, em argumento tortuoso, haver muitos riscos para as petroleiras, quando perfuram, sem a certeza de encontrar óleo suficiente no fundo do poço.
“Importante termos em mente que esta rodada teve foco em novas fronteiras exploratórias, ou seja, áreas com muitos riscos exploratórios para as empresas, risco de perfurarem e não encontrarem cumulação de petróleo que seja viável”.
Fonte: Agência Brasil
Bento Albuquerque, ministro das Minas e Energias, de dentro de seu impenetrável castelo, no Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), quando perguntado pelos riscos ambientais, responde pelos riscos para o ambiente dos negócios:
“Nós estabelecemos grupos de trabalhos no CNPE para realizar esse tipo de análise e o que se busca é criar um ambiente de negócios em que haja segurança jurídica e regulatória e atratividade para os leilões de petróleo e gás no nosso país”.
Fonte: Agência Brasil
Fracasso para o ambiente dos negócios, sucesso para o meio ambiente marinho e costeiro, para toda economia e sociedade população que dele depende, para todos os povos tradicionais que o habitam e protegem. Porque as “novas fronteiras” são bem mais amplas espacialmente que o simples bloco geométrico de mar ofertado. Porque para dar suporte offshore à exploração petroleira, ao longo da costa vão se instalando outros projetos destruidores: portos, dutos, terminais de óleo e de gás, refinarias, termelétricas etc. E lá se vão as enseadas e as praias, os berçários e manguezais, os recifes e corais, o pescado. Ao longo da costa, as comunidades de pesca artesanal, caiçaras, indígenas, quilombolas são justamente as “novas fronteiras”. Seus territórios não demarcados nem titulados são o principal alvo, em oferta para as petroleiras.
Por outro aspecto, a comemoração socioambiental não é definitiva, pois parece ainda haver muito jogo para expansão da indústria fóssil no Brasil, e em todo mundo, como demonstram os próprios investimentos públicos e privados no setor, que se mantêm em alta, embora algumas crises globais como em 2014 ou 2020, as mais recentes.
Sem dúvida, a vigilância social e ambiental dos movimentos e organizações da sociedade civil geraram insegurança política e jurídica para as petroleiras. Às lutas locais de resistência dos povos mais diretamente ameaçados, se somaram as denúncias na opinião pública nacional e internacional, as mobilizações de protesto, as ações jurídicas. À véspera da COP 26, e ao longo deste século XXI, as empresas petroleiras estarão cada vez mais questionadas, mesmo com suas imagens esverdeadas pelo fotoshop do carbono neutro e do mercado de carbono. Em cada derrame e vazamento, (e sempre os há), em cada poluição por plástico e contaminação por agrotóxicos, em cada subida de temperatura, as corporações petroleiras serão os principais alvos de crítica e responsabilização.
Uma primeira reflexão, que pode agregar ao debate e à resistência junto à sociedade civil, é a da dualidade do argumento sobre a proteção de áreas de preservação ambiental como carta principal para frear novas expansões petroleiras. Neste mais recente caso, grande parte da mobilização contra a 17ª Rodada se concentrou na importância de proteger áreas ambientalmente sensíveis, como os blocos próximos à área de Fernando de Noronha, que uma vez “salvos” de investimentos iniciais, geraram forte comemoração.
O outro lado dessa estratégia pode ser comparado a um hábito comum do governo Bolsonaro: escolher a linguagem para determinar o que receberá atenção e o que passará despercebido. Ao anunciar blocos de exploração em áreas de proteção ambiental, a ANP sabe que isso gerará forte resistência na opinião pública, é um óbvio absurdo que dificilmente encontra resistência para oposição, contra isso até a Rede Globo se torna aliada. Uma vez que a crítica está concentrada a se opor a esses blocos de áreas protegidas, a venda de blocos em outras regiões passa despercebida, ou é até mesmo comemorada como uma vitória, afinal, “poderia ser pior”.
A sequência desse raciocínio pode levar ao questionamento: existe alguma área que não deveria ser protegida da exploração de petróleo? Algum pedaço de natureza que podemos escolher para fazer sísmicas, perfurar, contaminar? Observando o mapa com os blocos já ofertados e prospectados para expansão no litoral brasileiro pela ANP, mesmo fora de áreas definidas como ambientalmente sensíveis, podemos sacrificar esses territórios para a indústria petroleira?
Fonte: Mapa elaborado pela Campanha Nem Um Poço a Mais em QGIS com o banco de dados em .shp disponibilizado pela ANP em 2021.
A 17ª Rodada de licitações, e as anteriores, ainda não acabaram, mas seguem em oferta permanente. Além da Shell e da Ecopetrol, que compraram 5 blocos na Bacia de Santos, no último dia 07, outros lances podem estar a caminho, com o arrefecer da vigilância socioambiental na sociedade civil. É preciso cautela com a estratégia de proteção de áreas ambientalmente sensíveis, afinal, existe alguma área insensível à violência petroleira?
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